Page 21 - Escravo Bernardino | Premium | Infinda
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— Bernardino, escutei hoje, na cozinha, o Coronel di-
           zer ao sr. Ambrózio que, se as coisas continuarem assim,
           ruins, vai ter de vender muitas coisas por aqui na fazenda.
           Tenho a impressão de que essas coisas somos nós.
             — Calma, Mara, vamos dormir!
             — Não posso, temo só em pensar o que nos poderá
           acontecer.
              Mara quietou e fiquei a pensar. Coronel era nosso dono,
           havia herdado a fazenda de seu pai fazia três anos, quan-
           do este falecera. Quando se viu dono, o Coronel começou
           a beber demais e a jogar, gastando muito dinheiro. Era
           o sr. Manoel, o administrador, quem tomava conta da
           fazenda. Ele mesmo não cuidava de nada, só de gastar.
           Senhor Ambrózio era um capataz, homem bom, honesto,
                                                                                 18
           empregado de confiança. E essa conversa que Mara escu-                —
           tou era para preocupar realmente, porque a fazenda era de             19
           lavoura de café, e a safra já fora vendida, como também
           alguns cavalos e gado. Os animais que ficaram eram só os
           indispensáveis à fazenda. Essas coisas que ele disse bem
           podiam ser a gente. Senti um medo horrível de sermos
           vendidos e separados. Estava com vinte e um anos, amava
           a vida e queria ser feliz ou pelo menos que continuasse a
           ser como era. Achava ruim ser escravo, dormir na senzala,
           trabalhar muito, mas sabia que havia outras formas de
           viver piores; não reclamava e estava bem com Mara, os
           filhos e amigos.
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