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— Meu Deus!
                        Nunca mais saí da fazenda. Cresci, não passei mais
                     fome, fiz amizades, aprendi a falar a nova linguagem e a
                     trabalhar, servir aos brancos.
                        Com dezoito anos, acasalei com Mara, então com quin-
                     ze anos. Acasalei, digo isso porque os negros não casavam,
                     passavam a viver juntos. Mara era muito bonita. Nós nos
                     amávamos. Tínhamos sentimentos que a maioria dos
                     brancos ignorava. Éramos tachados de diferentes, só pela
                     cor de nossa pele. Éramos escravos, só por sermos negros.
                       “Somos bichinhos que dão lucro aos nossos senhores!”
                    Escutava sempre esse comentário. De fato, eles faziam da
                     nossa vida o que queriam.
                        Por três anos vivemos Mara e eu felizes nos nossos
                     sonhos de jovens.
                       — Queria ser livre e branco – dizia –, queria ser empre-
                     gado e ter uma casinha para nós.
                       — Talvez um dia a tenhamos, Bernardino. Sonho sem-
                     pre que estamos numa casinha, numa fazenda bonita e
                     rodeados de filhos – suspirou Mara.
                       — Não vejo como!
                        Tivemos dois filhos, um casal. Amava-os demais. Dor-
                     míamos todos juntos, cada família num canto da senzala.
                        Lembrava bem aquela noite, quando as crianças ao
                     nosso lado dormiam e Mara me disse baixinho, muito
                     preocupada:
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