Page 39 - Escravo Bernardino | Premium | Infinda
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Não respondi, não estava a fim de falar. O preto velho,
           Tião, que cuidava de mim, expressou com dó:
             — Tenha juízo, Bernardino. Ninguém consegue fugir
           de si mesmo, de sua cor. Aqui, como ali, somos cativos.
           Ninguém consegue fugir daqui. A fazenda é bem guarda-
           da, cercada de morros e não se tem água fácil.
              Um moleque, que escutava com atenção, exclamou:
             — Por quê? Por que somos escravos? Não é justo! Te-
           nho horror por ser negro escravo. Nem fugir poderei! Por
           que tudo isso?
              Tião respondeu calmo, com olhar tranquilo:
             — Um dia será diferente, os negros vão ser livres, mas
           penso que haverá sempre distinção pela cor. Pretos hoje,
           brancos amanhã; brancos hoje podem vir a ser pretos ama-
                                                                                 36
           nhã. É a lei!                                                         —
             — Tião – comentou um moleque –, o senhor fala tão                   37
           estranho, e com tanta certeza… Se eu morrer e nascer,
           como você diz, branco, e o capataz João, negro, então será
           minha vez de bater nele.
             — Não, meu menino, não é assim. Devemos perdoar a
           todos e a todo mal. É por não perdoar que ficamos nesse
           círculo vicioso de sofrimentos.
             — Perdoar, não perdoo não. Meu pai morreu e foi ele
           quem o matou. Ah, se eu nascer branco noutra vida e ele
           negro, vai sofrer em minhas mãos, vingarei até da sua
           surra, Bernardino. E você, negro fujão, perdoa ou não?
              Esforcei-me para responder.
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