Page 40 - Escravo Bernardino | Premium | Infinda
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— Acho que mereci o castigo, fui um tolo em fugir sem
                     um plano. Não sei, não tenho raiva de ninguém.
                       — É isso mesmo, Bernardino – Tião tentou me animar.
                    – E você, menino, não deve pensar assim. O ódio é mau
                     companheiro.
                        O moleque balançou os ombros e saiu de perto. Estava
                     com muitas dores, mas escutei a conversa com interesse.
                     O que o velho Tião disse não me pareceu absurdo. Queria
                     falar, indagar, mas estava ficando mole. Para estar passan-
                     do tudo aquilo, era porque deveria ter sido mau em outras
                    vidas. Engraçado que as sentia, tinha certeza dessas outras
                     existências. O remédio fez efeito e adormeci.
                        Acordei com Tião me olhando preocupado. Logo veio o
                     sinhô. Era um homem velho, porém forte e sadio. Olhou-
                    -me examinando. Estava deitado de bruços, sentia tudo
                     girar, a cabeça doía tanto quanto as costas.
                       — Responda, escravo! Pode falar?
                        Afirmei com a cabeça.
                       — Onde você estava tinha escravos doentes com peste?
                       — Peste não, mas doentes sim. Foram muitos a adoecer.
                       — Você ficou doente?
                       — Sim, mas sarei logo.
                       — Que barbaridade! – exclamou o sinhô, indignado e
                     zangado. – Vender escravos doentes!
                       — Mata? – indagou um capataz.
                        Estremeci, não queria morrer. Tião veio em meu auxílio.
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