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— Você está vendo como quase morreu? Primeiro os
                     capatazes costumam matar os fujões e trazê-los mortos,
                     e a você não fizeram isso. Não morreu com o castigo, o
                     sinhô não mandou matá-lo e eu pude ajudá-lo. Viu como
                     escapou da morte? Ela não o quis desta vez e deve ter
                     seus motivos. Não precisa me agradecer, ajudo sempre
                     com gosto. Gosto de ser útil. Mas foi Deus-Pai quem nos
                     ajudou. Você teve muita febre, mas o pior já passou, logo
                     ficará bom. Sou eu quem cuida de todos os doentes por
                     aqui, até os da casa-grande. Não tenho outro trabalho, o
                     sinhô permitiu que só ficasse cuidando dos enfermos.
                       — Quem lhe ensinou? – indaguei interessado.
                       — Aprendi. Nesta vida, como Tião, recordei fácil com
                     umas lições do meu avô. Aprendi em outra vida, mas não
                     dei valor. Nessa, sim, faço o que me compete com gosto.
                       — Não tem medo de pegar minha doença, a peste…
                       — Você não teve peste, você está só doente de fraqueza
                     e saudades. Não vai sua doença pegar em ninguém. Você
                     é forte, vai sarar logo. Depois, meu filho, não tenho medo
                     de doenças nem da morte. A morte me libertará deste
                     corpo velho e cansado; a doença não pega em ninguém
                     que não esteja propício a tê-la, entendeu?
                        Neguei com a cabeça e Tião continuou a me elucidar.
                       — Filho, a doença só vem se acha o doente, isto é, a
                     pessoa com predisposição para tê-la ou o espírito doente.
                     Se você tem de sofrer uma doença, vai tê-la, senão não a
                     terá. Eu não pego sua doença nem você vai morrer dessa.
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