Page 46 - A História de Cada Um | Candeia.com
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escrever mandando notícias dos filhos. Recebia cartas de duas
                     a três vezes no ano. Resolvi contar o que acontecera e que
                     estava preso, mas só depois de cinco anos. Então ela passou a
                     escrever mais vezes, e os filhos também me mandavam cartas,
                     que recebi pelo endereço do presídio.
                        Fez outra pausa. Todos no ônibus prestavam atenção. Ele
                     suspirou por umas três vezes.
                       — Continue, senhor – pediu Rosa Maria –, penso que lhe
                     fará bem desabafar.
                       — Sofri muito na prisão. Penso que poucas pessoas se
                     adaptam àquele lugar. Sempre, quando há um grupo de
                     pessoas, existem entre elas muitas diferenças, uns são bons,
                     outros nem tanto; há honestos e desonestos etc. Numa pe-
                     nitenciária, isso não se difere muito, penso que oitenta por
        44           cento dos presos têm tendência a fazer algo errado, e uns são
                     maldosos. Vivi num inferno. Fui agredido muitas vezes, levei
                     muitas surras. Estávamos no refeitório, alguém pegava de sua
                     bandeja a carne, a mistura, a fruta. Tive de fazer tarefas para
                     outros. A lista é grande de coisas tristes que muito me fizeram
                     sofrer dentro da prisão.
                       — Não é melhor esquecê-las? – sugeriu alguém.
                       — Penso que eu tenho de tirá-las do sentimento, mas não
                     dá para esquecer. Também fiz amigos lá, encontrei pessoas
                     que erraram, como eu, mas que se arrependeram e não que-
                     riam mais fazer nada de errado. Estudei, fiz todos os cursos
                     oferecidos, aprendi matérias escolares, técnicas e religiosas.
                       — Você se arrependeu mesmo de seus erros?
                       — Sim. Logo que fui preso me arrependi de ter buscado
                     facilidades, de não ter recusado aquele emprego. Depois de
                     ter roubado de um ladrão experiente, entendi tardiamente
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